sábado, 15 de outubro de 2011

Afrodite e as flores


Entre as Graças, Tália, a Florescência, coroa a Deusa com flores e lança pétalas de rosas a seus pés. Sempre me senti fascinada pelo simbolismo oculto no enredo dos mitos. Que Afrodite, a Deusa do amor sexual e da beleza, seja também a Deusa das flores parece-me ser o tipo de evidência que se percebe quando o pensamento mítico penetra a mente. Não são as flores os mais belos órgãos sexuais do universo? Muitas não são as imagens e expressões que associam o sexo feminino às flores e, acima de tudo, com a cor da rosa, rica em colorido e perfume, com as pétalas abertas lembrando a maciez da carne? Para completar sua participação no mito de Afrodite, a rosa apresenta espinhos dolorosos, o que enfatiza, no risco de picar-se, o sofrimento inerente a todas as paixões sexuais.

Ocupar-se de flores, ou criar um jardim agradável, do mesmo modo que fazer amor ou “enfeitar-se” – todas essas são maneiras de honrar Afrodite. Os jardins expressam a sensualidade da cultura, um tipo de sensualidade que oferece a vantagem de ser isenta de ansiedade para aqueles cuja bagagem educacional, ou idade, os levou a ignorar a vitalidade sexual. Na Inglaterra, por exemplo, a jardinagem parece ser a mais domesticada das paixões. Os ingleses devotam-se a essa tarefa do mesmo modo que alguém se dedica ao amor: apaixonadamente e para sempre. A jardinagem é uma das maiores expressões pela qual os britânicos evocam Afrodite sem medo ou segundas intenções. Na Inglaterra, tanto os homens quanto as mulheres se emocionam com a graça dos jardins e paisagens, porém, embora seja permitido às rosas crescerem sobre as casas, raramente vi uma mulher inglesa ousar pôr uma rosa nos cabelos. Para ela, isso pareceria um gesto sedutor impróprio. Afrodite pode ficar no jardim, pois ali ela será honrada sem ansiedade e sem limite.

Encontra-se no jardim inglês um cuidado extremo e admirável em dissimular qualquer sinal de artifício, como se a manutenção impecável de um jardim de flores e o trabalho demorado e elaborado do jardineiro devessem ficar invisíveis, sendo a intenção permitir à beleza natural que se expresse, como se todos esses arbustos e todas essas flores tivessem crescido ali espontaneamente. As marcas da disciplina impostas à natureza pela mão do jardineiro desapareceram. Este equilíbrio entre a natureza e a arte é, exatamente, o que agrada Afrodite. “A bela e venerável Deusa que, em torno de si, e sob seus pés luminosos, leva a grama a crescer”, concede sua graça aos ingleses por seus gramados e jardins, porque, instintivamente, compreendem a mediação correta entre natureza e cultura, sendo a jardinagem um tipo exemplar de mediação.

A arte dos perfumes é outro exemplo desse trabalho de mediação. Pode-se desfrutar o perfume de uma flor em seu estado natural, como a amante desfruta o perfume natural da pessoa a quem ama; mas pode-se, igualmente, apreciar a sutileza dos perfumes e dos refinamentos resultantes da destilação. A arte da perfumaria, ao capturar o perfume natural das flores, associa as mulheres e as flores, novamente. Para os gregos da Antiguidade, o sentido do olfato era um meio de comunicação com o Divino. Sua concepção de sacrifício incluía a idéia de que o odor das oferendas e das ervas aromáticas que temperam a carne era agradável aos deuses. Atribuíam um valor igualmente alto aos perfumes florais, que associavam à paz, à alegria e à sensualidade; e considerava-se Afrodite responsável pelo odor tanto do corpo das mulheres quanto das flores. Certas plantas com odores muito fortes, como a hortelã e a mirra, foram também associadas a ela ou a seu amante, Adônis.

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